Cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais do Departamento de Estado dos EUA vieram à tona neste domingo, divulgados pelo site WikiLeaks. Os chamados "cables" revelam detalhes secretos, alguns bastante curiosos, da política externa americana entre dezembro de 1966 e fevereiro deste ano, em um caso que começa a ficar conhecido como "Cablegate".
Cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais do Departamento de Estado dos EUA vieram à tona neste domingo, divulgados pelo site WikiLeaks. Os chamados "cables" revelam detalhes secretos, alguns bastante curiosos, da política externa americana entre dezembro de 1966 e fevereiro deste ano, em um caso que começa a ficar conhecido como "Cablegate".
São 251.288 documentos enviados
por 274 embaixadas. Destes, 145.451 tratam de política externa, 122.896,
de assuntos internos dos governos, 55.211, de direitos humanos, 49.044,
de condições econômicas, 28.801, de terrorismo e 6.532, do Conselho de
Segurança da ONU.
A maioria dos documentos
(15.365) fala sobre o Iraque. Os telegramas foram divulgados por meio de
um grupo de publicações internacionais: "The New York Times" (EUA),
"Guardian" (Reino Unido), "El País" (Espanha), "Le Monde" (França) e
"Der Spiegel" (Alemanha).
O WikiLeaks divulga documentos
secretos há anos, mas ganhou destaque internacional este ano, com três
vazamentos. No primeiro, publicou um vídeo confidencial, feito por um
helicóptero americano, que parece mostrar um ataque contra dois
funcionários da agência de notícias Reuters e outros civis. O segundo
tornou públicos 77 mil arquivos de inteligência dos EUA sobre a guerra
do Afeganistão. O terceiro divulgou mais 400 mil arquivos expondo
ataques, detenções e interrogatórios no Iraque.
O Pentágono suspeita que quem está por trás dos vazamentos é o analista de inteligência Bradley Manning, 22.
Veja abaixo algumas das principais revelações presentes nos cerca de 250 mil documentos divulgados pelo WikiLeaks:
O Politburo, segundo organismo
mais importante do governo da China, comandou a invasão dos sistemas de
computador do Google no país, como parte de uma campanha de sabotagem a
computadores, realizada por funcionários do governo, especialistas
particulares e criminosos da internet contratados pelo governo chinês.
Eles também invadiram computadores do governo americano e de aliados
ocidentais, do Dalai Lama e de empresas americanas desde 2002.
*
O
rei Abdullah, da Arábia Saudita, repetidamente pediu aos EUA para
atacar o Irã e destruir seu programa nuclear, além de, segundo
registros, ter aconselhado Washington a 'cortar a cabeça da cobra'
enquanto ainda havia tempo.
*
Doadores
sauditas continuam sendo os principais financiadores de grupos
militantes sunitas, como a Al Qaeda; e o pequeno Estado do Qatar,
generoso anfitrião do Exército americano no golfo Pérsico por anos, era
'o pior da região' em esforços de combate ao terrorismo, segundo um
telegrama ao Departamento de Estado em dezembro do ano passado.
*
Representantes
dos EUA e da Coreia do Sul discutiram a possibilidade de uma Coreia
unificada se os problemas econômicos da Coreia do Norte e a transição
político no país levassem o Estado a implodir. Os sul-coreanos chegaram a
considerar incentivos econômicos à China para 'ajudar a aliviar' as
preocupações de Pequim sobre o convívio com uma Coreia reunificada em
'aliança benigna' com Washington, segundo o embaixador americano em
Seul.
*
Desde
2007, os EUA montaram um esforço secreto e, até agora, mal sucedido
para remover urânio altamente enriquecido do reator de pesquisa do
Paquistão, com medo de que pudesse ser desviado para uso em um reator
nuclear ilícito.
*
O
Irã obteve mísseis sofisticados da Coreia do Norte, capazes de atingir o
leste europeu, e os EUA estavam preocupados de que o Irã estaria usando
esses foguetes como 'peças de montagem' para construir mísseis de mais
longo alcance. Os mísseis avançados são muito mais poderosos do que
qualquer equipamento que os EUA publicamente reconheceram existir no
arsenal iraniano.
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Quando
o vice-presidente afegão, Ahmed Zia Massou, visitou os Emirados Árabes
Unidos no ano passado, autoridades locais trabalhando para a Agência de
Controle às Drogas descobriram que ele carregava US$ 52 milhões em
dinheiro vivo. Segundo o telegrama da embaixada americana em Cabul, ele
pode manter o dinheiro sem revelar a origem ou destino do montante.
*
Diplomatas
americanos barganharam com outros países para ajudar a esvaziar a
prisão da baía de Guantánamo, realocando detentos. Por exemplo, foi
pedido que a Eslovénia aceitasse um prisioneiro se quisesse agendar um
encontro com o presidente Barack Obama. A República de Kiribati recebeu
oferta de incentivos valendo milhões de dólares para aceitar detentos
muçulmanos chineses. Em outro caso, aceitar mais presos foi descrito
como 'uma forma de baixo custo para a Bélgica alcançar proeminência na
Europa'.
*
Os
EUA não conseguiram evitar que a Síria fornecesse armas ao Hizbollah no
Líbano, que acumulou um grande arsenal desde a guerra de 2006 com
Israel. Uma semana após o presidente sírio, Bashar al Assad, prometer a
um alto representante americano que não mandaria 'novas' armas ao
Hizbollah, os EUA reclamaram que tinham informações de que a Síria
estava dando ao grupo armas cada vez mais sofisticadas.
*
Os
americanos estariam preocupados com o uso da informática e ataques pela
internet na China. Diplomatas dos EUA dizem que os chineses, após 2002,
estão recrutando técnicos que acessam redes no mundo inteiro,
principalmente do governo, empresas e aliados americanos.
*
Chefes
de governos são citados em várias passagens. O presidente francês
Nicolas Sarkozy, por exemplo, foi descrito como "delicado" e
"autoritário", de acordo com o jornal 'Le Monde', um dos cinco
periódicos que tiveram acesso à publicação antecipadamente. O presidente
da Venezuela, Hugo Chávez, estaria 'louco' e transformando o seu país
em 'outro Zimbábue', segundo um diplomata francês.
*
Os
Estados Unidos pediram em março de 2008, um mês antes da última eleição
presidencial paraguaia, informações detalhadas sobre os candidatos que
incluíam "dados biométricos, incluindo impressões digitais, imagens
faciais e dados para reconhecimento da íris, e DNA".
*
Uma
mensagem da secretaria de Estado dos EUA à embaixada americana em
Assunção relata a preocupação do governo americano com a suposta
presença de grupos como Al Qaeda, Hizbollah e Hamas na tríplice
fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina.
*
O
departamento de Estado americano pediu no ano passado aos funcionários
de 38 embaixadas e missões diplomáticas uma relação detalhada de dados
pessoais e de outra natureza sobre as Nações Unidas, inclusive sobre o
secretário-geral, Ban Ki-moon, e especialmente sobre os funcionários e
representantes ligados ao Sudão, Afeganistão, Somália, Irã e Coreia do
Norte, segundo o jornal 'El País'.
*
Diplomatas
americanos em Roma comunicaram em 2009 o que suas fontes italianas
descrevem como uma estreita ligação entre o premiê russo Vladmir V.
Putin, e o premiê italiano, Sílvio Berlusconi, incluindo generosos
presentes e lucrativos contratos de energia por uma intermediação
sombria.
*
Pairam
dúvidas americanas sobre a confiança nas forças da Turquia, aliada da
Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), retratada como fraca e
permeada por islâmicos.
*
Uma
tributo pago em viagens áreas que entrou em vigor no último mês deixou
os americanos irritados. A revolta de Washington com uma nova tarifa
alfandegária para passageiros, acordos britânicos de extradição com os
EUA e inspeções mais frouxas com paquistaneses aparecem em memorandos
publicados.
*
Autoridades
americanas advertiram a Alemanha em 2007 para não prenderem agentes da
CIA envolvidos em uma fracassada operação em que um alemão inocente com o
mesmo nome de um suspeito foi erroneamente sequestrado por meses no
Afeganistão. Um alto diplomata americano disse que "a intenção é que o
governo alemão pese cuidadosamente cada passo com as implicações no
relacionamento com os EUA".
Em relação ao Brasil:
O relato foi feito em 2008 pelo
então embaixador em Brasília, Clifford Sobel, e consta de lote de 1.947
telegramas da diplomacia americana na última década. A Folha teve acesso
exclusivo a seis telegramas. Tratam de ações de ativistas de origem
árabe no país, mas não listam suspeitos de terrorismo detidos no Brasil.
SECRETO BRASILIA 001207
SIPDIS
E.O. 12958: DECL: 05/05/2015
TAGS: PINR PREL BR Relações bilaterais com os EUA
TEMA: BRASIL: Almoço do embaixador com o general Jorge Armando Felix, ministro da Segurança Institucional
Classificado pelo embaixador John J. Danilovich por motivos 1.4 (B),(C) e (D).
1.(S) Embaixador recebeu o general Jorge Armando Felix, ministro da Segurança Institucional, em um almoço na residência em 4 de maio de 2005. Embora o general Felix tenha muito menos influência que seu predecessor do governo anterior, ainda é o mais alto funcionário de inteligência do país, e seu cargo equivale aproximadamente ao de assessor de segurança nacional do presidente. Além de sua equipe própria no Ministério de Segurança Institucional (GSI), que conta com representantes das diversas agências de segurança e de relações exteriores do governo brasileiro, o general Felix também é responsável por comandar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
2. (S) A região da Tríplice Fronteira: O embaixador pediu ao general Felix uma avaliação da situação da criminalidade transnacional na região da tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. O general Felix admitiu que há problemas sérios na região e que a movimentação ilegal de armas, dinheiro, drogas e afins pela região é motivo de preocupação para o governo brasileiro. Felix disse que tanto a Abin quanto a Polícia Federal brasileira (PF) estão dedicando pessoal e recursos adicionais ao problema e observou que a Abin tem até mesmo alguns programas conjuntos com o RMAS (Regional Movement Alert System, um sistema que detecta passaportes inválidos, perdidos ou falsificados) voltados a essas questões.
3. (S) Contraterrorismo: Isso levou a uma discussão das questões/operações de terrorismo na região da tríplice fronteira e em todo o Brasil. O general Felix disse que a Abin cooperou estreitamente com o RMAS para fazer a investigação conjunta de indivíduos que despertam o interesse, e o embaixador expressou sua apreciação por essa assistência. O general Felix disse que, além das operações conjuntas nas quais estamos trabalhando juntos, o governo brasileiro também está lançando apelos a árabes moderados de segunda geração, muitos dos quais são empresários bem-sucedidos no Brasil, para que acompanhem de perto o que fazem outros árabes que podem ser influenciados por extremistas e/ou grupos terroristas árabes. O general Felix disse que é do interesse desses árabes moderados manter potenciais incendiários sob controle e manter a atenção longe da comunidade árabe no Brasil. O general Felix disse que o recém-assassinado ex-primeiro-ministro do Líbano transmitira a mesma mensagem à comunidade árabe brasileira durante visita ao país alguns anos atrás. O general Felix disse que é importante que as operações de contraterrorismo sejam apropriadamente apresentadas, de modo a não refletir negativamente sobre a orgulhosa e bem-sucedida comunidade árabe do Brasil.
4. (S) Venezuela: Após a discussão sobre CT [contraterrorismo], o embaixador levantou a questão da Venezuela e seu presidente, Hugo Chávez, e observou que Chávez está atrapalhando os esforços do Brasil para exercer um papel de liderança política e econômica na América do Sul. O general Felix fez um gesto de concordância e pareceu estar medindo sua resposta com muito cuidado. Disse, então, que tem suas opiniões pessoais sobre Chávez (que não compartilhou), que diferem da posição do governo brasileiro. Isto dito, o general Felix falou que prefere seguir a posição oficial (embora tampouco tenha dado maiores explicações a esse respeito). Felix observou que, quer sejamos pró ou anti-Chávez, este já se tornou uma parte integral da realidade 'latino-americana'.
5. (S) Assistência adicional: O embaixador perguntou ao general Felix se existem áreas em que o USG [US government, governo dos EUA] possa prestar ajuda melhor ao GSI e/ou à Abin. Felix disse que está muito satisfeito com a assistência que está sendo dada atualmente pelo USG. Uma área na qual ele afirmou que o governo brasileiro está deixando a desejar é a proteção de seus próprios sistemas computadorizados classificados e não classificados. Felix disse que saudaria qualquer assistência (cursos, visitas, etc.) nessa área. Feliz também disse que está tentando reforçar as capacidades de SIGINT do GSI e da Abin e que sempre poderia fazer bom uso de alguma assistência nesse sentido.
6. (S) Comentário da Embaixada: O general Felix é um indivíduo simpático e discreto. Ele não parece ser excessivamente ambicioso e admitiu que prefere viajar por prazer que a trabalho. Ele não é alguém que vá ganhar grande destaque, e esse fato provavelmente contribuiu para que ele pisasse com cuidado na discussão sobre a Venezuela. Isto dito, o general Felix sempre foi um interlocutor franco, e seu período à frente do GSI tem se destacado por operações de CT conjuntas e muito cooperativas entre o RMAS e a Abin. Levando tudo em conta, sua presença contínua no GSI pode ser vista como positiva para os interesses dos EUA. DANILOVICH 2005-05-06